O Viajante.

No amanhecer de mais um dia o vermelho do céu vai tomando o lugar da escuridão que assombra  a noite dos culpados. Contudo, ledo engano achar que a manhã traria alívio. Aquele tom vermelho que prometia um dia ensolarado logo é substituído por densas nuvens cinzas, desenterrando assuntos não resolvidos. Ele já não dorme com medo de seus pecados serem revelados. Precisa de uma luz, de um farol que lhe guie para o caminho do perdão. Fantasmas de palavras ditas - e não ditas - giram ao redor de sua cabeça atordoada, sussurrando nomes dos que foram tombando pelo caminho.

Está em um navio sem capitão, no meio de uma tormenta, sem nenhuma esperança de salvação, pedindo aos céus que enviem ajuda, certo de que está condenado a afundar para sempre nesse mar de remorso e julgamento. Tudo o que precisa de algo que o guie, de um farol, mas o faroleiro não está, fugiu para buscar abrigo de sua própria tempestade e de sua própria culpa. Como pode alguém atormentado pelas suas próprias trevas iluminar o caminho de outra pessoa? E como pode alguém desejar substituir uma luz que já existe, sem saber se terá o mesmo brilho de seu antecessor? Fazendo-se isso, corre-se o risco de abandonar o viajante à sua própria sorte, no meio da escuridão do mar revolto, onde apenas relâmpagos tenebrosos trazem segundos de luz.

A promessa que o dia vermelho trouxe jamais poderia ter sido cumprida. Foi roubada pelo cinza que levou embora as esperanças do pobre viajante. Ele precisa de vento, precisa de algo que mova essas nuvens para longe, que disperse a tempestade. Pois sabe que o vento, quando vier, pode não levar a tempestade pra longe, mas certamente moverá seu veleiro para outras águas. Águas tranquilas e transparentes, onde, em paz, ele deitará sobre o Sol e deixará a alma livre. Qual gato preguiçoso descansando sob montes de trigo, o viajante sonhará novamente e, assim, com seu coração livre da culpa e do remorso que eram como fardos de feno molhado sobre suas costas, ele se sentirá leve, pronto para alçar novos voos, traçar novas rotas e fugir do lugar-comum. Não foi feito para o simples, para a rotina.

Contudo, de onde está, não avista a promessa de tempos melhores. Apenas espera e teme. A ansiedade tira-lhe o que restou das unhas. Já não tem apetite, não se apraz nem com os melhores vinhos. É inverno - e dos densos - em sua alma.

Pobre viajante, não sabe que o medo de afogar-se no mar de culpa tira-lhe o prazer de experimentar as delícias das águas que o cercam. Não sabe que, talvez, o melhor seja apenas fechar os olhos e pular, sem saber ao certo o que irá acontecer. Sem boias nem colete, sem corda ou nada que o prenda a sua atual realidade. Pode ser que a imensidão que o assusta traga respostas que não encontraria em nenhum outro lugar, pode ser que, ao submergir escuridão do oceano que o aterroriza, encontre serenidade e aconchego.

Pula viajante!
Mergulha no que mais teme.
Fecha os olhos, prende o fôlego e vai.

Vai conhecer a beleza de um mundo diferente do seu! Vai viver experiências que jamais imaginou que viveria! Vai se entregar a quem jamais imaginou que se entregaria! Respira cada segundo da liberdade como se fosse o último! Bebe de outras fontes, de outros vinhos! Se embriaga e se deleita sem, pensar nas consequências. Beija as bocas que forem surgindo no seu caminho, conhece os corpos que se deitarão em sua cama. Ama. Odeia. Chora. Sorri. Vai. Vem. Vai novamente. Porque estás vivo para isso! Sem culpa, sem medo, sem pensar. É isso que torna quem você é: um eterno viajante de muitas existências.





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