Sobre meninas e piscinas.

Veio do interior, bem jovem, para estudar na capital. Deixou pra trás família, amigos, o conforto de ter tudo sempre à mão, a comidinha caseira da mãe, os abraços do pai. Era um misto de felicidade e tristeza. Felicidade por alçar novos voos, por ser de certa forma independente. Tristeza porque nunca é fácil abandonar o ninho e ter que ir atrás de nossas próprias minhocas.

Na cidade grande fez novos amigos, conheceu alegrias e dores novas. Adquiriu responsabilidades que antes não lhe passavam perto, tais como pagar contas, verificar trancas de portas e janelas, não voltar para casa após certo horário por conta da falta de transporte público e dos eventuais perigos que isso poderia gerar numa cidade violenta.

Aprendeu a curar suas dores sozinha. As físicas e as da alma.

Ah! As dores da alma! Quão fácil seria se para essas existissem remédios à venda nas drogarias, com a velha advertência "Se persistirem os sintomas, o médico deverá ser consultado". Bem, pode não haver remédios para as dores da alma, mas certamente existem os médicos. Nesse caso, os amigos.

Longe da família e dos amigos de infância, fez novos confidentes em sua nova morada. Eram eles que ofereciam consolo, aplacavam-lhe a dor, davam-lhe conselhos e abriam-lhe os olhos para iminentes perigos.

Não tardou a encontrar um amor na forma de um amigo mais próximo. Desses que a gente não sente vontade de sair de perto. De início segurou ao máximo seus sentimentos, pois sabia que certamente iria se machucar. Talvez ele a achasse profunda demais para mergulhar de cabeça, tal qual uma piscina. Talvez fosse ele raso demais para oferecer alguma segurança. Seja qual for o morivo, por mais que ela tentasse, não conseguiu manter a tão prometida distância. Apaixonou-se por ele. Dessas paixões bipolares, que um dia nos faz rir até a barriga doer e, no outro, nos faz chorar e devorar uma caixa inteira de chocolates, tentando adoçar o amargo da alma.

Seja lá pelo motivo que fosse, ele não conseguia se decidir. Ela, por diversas vezes, tentou oferecer-lhe um colete salva-vidas. Deu-lhe opções e conselhos. Mandou embora, sempre em vão. Porque ele sempre voltava, falando coisas que sabia que ela gostava de ouvir, parecia ter sido treinado para aquilo. E desempenhava muito bem seu papel.

Nessas indas e vindas ela percebeu que estava se machucando mais do que havia planejado. Não tinha formação em "doublê", não sabia como caír sem se machucar, não sabia rolar para fugir dos ferimentos que provavelmente essa paixão sem futuro iria lhe causar, mais cedo ou mais tarde. Decidiu pôr um fim em tudo.

Aconselhada por uma amiga, escreveu-lhe uma carta de despedida. Colocou na carta muito mais que simples palavras e frases. Colocou a si própria, como jamais antes havia se exposto. Deixou de ser aquela que jamais chorava na frente do amado-amigo. Deixou de ser apenas a menina engraçada, cujo sarcasmo servia como escudo em tantas situações. Apenas escreveu e escreveu, trnsbordando pelos dedos todas as lágrimas que havia chorado no escuro vazio de seu quarto. Era o fim daquela amizade colorida.

Então, já que ele mesmo não se decidia sobre mergulhar ou não em sua piscina, ela própria mergulhou. E assim, nadando em meio aos seus densos sentimentos, desceu até o fundo de seu ser e tirou a tampa do ralo, com muita dificuldade, sentindo que poderia se afogar a qualquer momento e nunca mais ver a luz do dia novamente. Feito isso, deixou escoar não apenas aquele amor mal resolvido, como uma série de outras incertezas que a vida havia acumulado naquela caixa de concreto que se tornara seu coração. Libertou-se.

Então, subiu à tona. Apesar de tudo estava à salvo. Viva. Pronta para agarrar-se à borda. E foi exatamente o que fizera. Com dificuldade emergiu da profundeza de seus sonhos despedaçados, que desciam pelo ralo lentamente, até não restar mais nada.

Assim, sentando-se à beira, enquanto a observava novamente encher o local onde, até alguns minutos atrás, existia apenas a desilusão e a derrota. Decidida de que, dessa vez, encheria seu ser apenas com coisas e pessoas que lhe trouxessem apenas felicidade.

Ficou ali, observando aquela imensidão de promessas e esperanças que enchiam lentamente a piscina do seu ser. Sorridente, molhava a pontinha dos pés, fechando os olhos e pensando em como tudo seria diferente dali por diante. De sobressalto, levantou-se, olhou aquele tanque azul, já transbordando novamente. Sem pensar duas vezes, deu vários passos pra trás, respirou fundo e prendeu o fôlego, correu brevemente e pulou de cabeça.

Sabe, agora, que a vida não deixará de trazer medos, decepções e dores. Mas sabe, também, que aquela piscina pertence a ela e apenas ela pode permitir que alguém se banhe ou não no seu melhor. Porque aprendeu que á mais fácil manter a água limpa, escolhendo a dedo quem terá o privilégio de nadar dentro dela do que mergulhar fundo para puxar a tampa do ralo todas as vezes que alguém ousar manchar sua transparência de alma.

Para Nayara Gomes de Oliveira, em 14/04/14.










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