Depois Daquela Tarde (Parte II)

Mas tudo passa, e isso também passou.

Com o tempo os pesadelos foram diminuindo, assim como a culpa.

E foi chegado o tempo do perdão. O coração acalentado já não mais buscava culpados, havia perdoado não apenas aqueles que disseram que a culpa tinha sido dela: havia se perdoado por todo mal que fizera a si própria. Pensamentos como vingança ou revanche já não passavam mais por sua cabeça. Tudo o que ela queria era viver em paz. Estar em paz consigo e com o mundo.

Quanto ao antigo namorado que havia dito aquela frase que tanto a marcara, não havia o que perdoar. Afinal, ele jamais foi culpado de nada. Nem pelo que lhe acontecera nem por ter dito as palavras erradas no momento errado. Eram apenas duas crianças, apesar de estarem fazendo "coisas de adultos", nem sequer sabiam exatamente o que estavam fazendo.

Conforme os anos iam passando, as lembranças daquela tarde deixaram de ser sombrias, deixaram de lhe causar pesadelos. Eram uma doce memória daquilo que, finalmente, ela aceitara como tendo sido sua "primeira vez" de fato. Aceitou que não importava se havia um hímem ali ou não. Uma membrana não definiria quem ela era ou deixava de ser. Não deixaria que ninguém nunca mais a julgasse tendo como base suas atividades sexuais. Aliás, não permitiria que ninguém a julgasse por nada. E, principalmente, deixou de se julgar.

Despiu-se do véu escuro que não a deixava enxergar as coisas boas da vida. Era como se tivesse tirado uma espécie de burca, que além de não deixar que visse o mundo com a beleza que ele tem, também não permitia que o mundo visse sua própria beleza, principalmente a do coração.

Assim, quanto mais se abria, mais era vista e notada. E quanto mais era notada, mais amigos fazia, e quanto mais amigos fazia, mais feliz era, e quanto mais feliz era, mais se abria. Entrou num ciclo de positividades que iam se alternando e aumentando, atraindo toda espécie de boas vibrações. Não fazia distinção, era amiga de todos: dos ricos, dos pobres, dos certinhos e dos loucos - seu grupo favorito - e aprendia com eles, equilibrando momentos de seriedade e insanidade. às vezes se jogava na vida como quem está vivendo seu último dia no planeta, outras vezes era mais sensata e continha os ânimos mais exaltados dos que estavam à sua volta. Muitas vezes foi centelha, levantando questionamentos, estimulando revoltas. Outras foi água, apagando incêndios. Era agora uma gigante: podia até ter a cabeça nas nuvens, mas não precisava tirar os pés do chão.

Agora, curada, liberta e segura de si, sabia exatamente o que fazer para colocar uma ponto final definitivo em tudo que a fizera sofrer no seu passado: escrever. Pois quem sabe houvesse alguém, em algum lugar, passando por tudo o que ela passou. Quem sabe poderia ajudar alguém esteja entrando num processo de auto-destruição, assim como ela décadas atrás entrou? Por isso, espera que esse relato sobre os horrores vividos possa auxiliar outras vítimas, para que elas saibam que não estão sozinhas, que não são culpadas pelos que lhe aconteceu e, principalmente, que denunciem seu agressor ou agressores, para que eles não causem a ninguém mais esse tipo de violência.



Como denunciar casos de violência sexual

É preciso romper com o pacto de silêncio que encobre as situações de abuso e exploração contra crianças e adolescentes. Não se pode ter medo de denunciar. Essa é a única forma de ajudar esses meninos e meninas.

Saiba a quem recorrer em caso de suspeita de violência sexual infanto-juvenil:

Conselhos Tutelares – Os Conselhos Tutelares foram criados para zelar pelo cumprimento dos direitos das crianças e adolescentes. A eles cabe receber a notificação e analisar a procedência de cada caso, visitando as famílias. Se for confirmado o fato, o Conselho deve levar a situação ao conhecimento do Ministério Público.

Varas da Infância e da Juventude – Em município onde não há Conselhos Tutleares, as Varas da Infância e da Juventude podem receber as denúncias.
Outros órgãos que também estão preparados para ajudar são asDelegacias de Proteção à Criança e ao Adolescente e asDelegacias da Mulher.

OU DISQUE 100

O serviço do Disque Denúncia Nacional de Abuso e Exploração Sexual contra Crianças e Adolescentes é coordenado e executado pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República.
Por meio do 100, o usuário pode denunciar violências contra crianças e adolescentes, colher informações acerca do paradeiro de crianças e adolescentes desaparecidos, tráfico de pessoas – independentemente da idade da vítima – e obter informações sobre os Conselhos Tutelares.
O serviço funciona diariamente de 8h às 22h, inclusive nos finais de semana e feriados. As denúncias recebidas são analisadas e encaminhadas aos órgãos de defesa e responsabilização, conforme a competência, num prazo de 24h. A identidade do denunciante é mantida em absoluto sigilo.






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